EDICÃO 146/ MAIO DE 2012 24/04/2012
As vésperas da Rio +20, a ex-senadora fala de como pretende promover uma mudança de paradigma em favor de um novo modelo de desenvolvimento econômico por Afonso Capelas Jr. Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL por Cristiano Mariz
 
“A sustentabilidade deve ser entendida como um ideal de vida”, diz Marina 
Silva, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente 
“Ainda vou decidir se me candidato a algum cargo político neste ano. Mas 
minha luta ecológica continua”, diz a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente 
Marina Silva logo ao fim da entrevista que concedeu a NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL 
em uma livraria de Brasília. Antes ela havia participado, durante duas horas, 
das gravações de um documentário sobre a nova classe média brasileira. Marina 
está habituada a trabalhar muito; quando adolescente, sua jornada começava de 
madrugada em uma comunidade do seringal Bagaço, no Acre. Hoje é ainda mais 
atarefada. Incansável, vive uma maratona de viagens, palestras e entrevistas 
mundo afora – à noite, ainda sobra fôlego para ler e escrever na cama. A seguir, 
Marina nos conta como pretende promover uma mudança de paradigma em favor de um 
novo modelo de desenvolvimento econômico. “A sustentabilidade deve ser entendida 
como um ideal de vida”, diz ela.
O que a senhora espera da Rio+20?
Aguardo uma avaliação séria do que foi feito nos últimos 20 anos. É óbvio que 
chegaremos à conclusão de que foi menos que o necessário. Meu desejo é de que 
venham novos compromissos para que o encontro não seja uma pá de cal na memória 
da Rio 92. A Rio+20 é um processo dinâmico que envolve centenas de países. Cada 
um precisa fazer seu dever de casa. No Brasil, está acontecendo um grande 
retrocesso com a mudança da legislação ambiental para retomada do aumento de 
áreas de cultivo. É uma contradição. A prova de que o país não precisa disso é 
que estamos há quase oito anos com crescimento econômico, diminuição da pobreza 
e do desmatamento. De um modo geral, é preciso não subtrair a questão ambiental 
desse encontro mundial.
A senhora concorda com o alerta de um grupo de cientistas de que o 
encontro pode ser desvirtuado por outros temas, deixando a sustentabilidade e as 
mudanças climáticas em segundo plano?
Sim. Estão fazendo uma assepsia do tema ambiental, da perda de 
biodiversidade, do aumento da desertificação e das mudanças no clima para 
discutir apenas desenvolvimento. Na conferência climática de Durban, chegamos à 
conclusão de que o planeta está na UTI, mas a intervenção médica só vai 
acontecer daqui a dez anos. Iremos para a Rio+20 sabendo que estamos vivendo uma 
crise civilizatória caracterizada por múltiplas crises, e já estão querendo 
praticar a política do avestruz: fazer vista grossa aos problemas ambientais 
para falar apenas de desenvolvimento e pobreza, como se os dois temas não 
tivessem como pano de fundo a crise ambiental global. Embora as outras questões 
sejam relevantes, elas não têm como ser resolvidas pelos mesmos paradigmas dos 
séculos 19 e 20. É fundamental o protagonismo do Brasil no encontro, 
descolando-se das posições atrasadas do G77 (grupo de países em desenvolvimento) 
e abrindo maior liderança dentro do G20 (nações desenvolvidas e emergentes), 
porque esse grupo representa 80% do PIB da população mundial e das emissões de 
gases de efeito estufa. Se o G20 se movimentar para a redução das emissões e a 
mudança do modelo de desenvolvimento, será possível fazer a diferença. 
Inclusive, alavancar recursos para que as nações pobres se desenvolvam sem 
repetir o exemplo predatório dos países ricos.
Quais contribuições a senhora levará ao encontro no Rio?
Estarei lá como um dos “advogados do milênio”. O Millennium Development Goals 
(MDG) Advocacy Group é uma organização que trabalha com o secretário-geral da 
ONU, Ban Ki-moon, para fazer articulação política em benefício dos países pobres 
e vulneráveis. Para a Rio+20, sugeri uma autoconvocação dos líderes morais do 
planeta, aqueles que, nos mais diferentes espaços da vida econômica, social, 
científica e política, estão envolvidos com a causa, não sob a perspectiva 
imediatista, que nos torna reféns dos interesses das corporações ou da 
conjuntura política. A ideia é de que, antes da chegada dos chefes de Estado ao 
encontro, os líderes morais apresentem os pontos necessários para enfrentar o 
problema. Assim, criamos um espaço de mobilização independente, em que a 
sociedade possa ouvir da boca dos cientistas qual o tamanho do desafio que temos 
pela frente.
O que a senhora acha que mudou no Brasil quanto às questões 
socioambientais desde a Rio 92? Avançamos nesse quesito?
Evoluiu a consciência das pessoas. Basta considerar que mais de 20 anos atrás 
Chico Mendes foi assassinado e apenas meia dúzia de pessoas estavam envolvidas 
com a causa da Amazônia. Hoje há toda a polêmica em torno do Código Florestal e 
pesquisas de opinião mostram que 80% dos brasileiros preferem pagar mais pelos 
alimentos para proteger a floresta. Creio que são os maiores indicadores de que 
a consciência é outra. Isso ainda não se traduz em mudança de atitude, mas há 
muitos passos nessa direção. Nas duas décadas passadas, evoluiu também a base 
legal para a proteção de nossos ativos ambientais. Temos agora uma lei de crimes 
contra a natureza, o mapa dos biomas brasileiros e das zonas prioritárias para 
conservação da biodiversidade, uma lei nacional das águas e um sistema nacional 
de unidades de conservação, com 70 milhões de hectares de áreas preservadas. 
Orgulho-me de saber que, desse total, 24 milhões de hectares foram criados 
durante a minha gestão como ministra do Meio Ambiente, de 2003 a 2008. Se não 
houvesse essa evolução de consciência, sequer teria sido possível implementar o 
Plano de Combate ao Desmatamento, que levou à redução de 80% da derrubada da 
floresta graças à inibição de 1,5 mil propriedades ilegais e à aplicação de 4 
bilhões de reais em multas.
Tal consciência despontou nos políticos ou nos cidadãos?
Sobretudo nos cidadãos. Apesar disso existe um retrocesso, em que a maioria 
dos políticos quer alterar o Código Florestal e a legislação de criação de 
terras indígenas no Brasil. Também removeram as competências do Ibama para 
fiscalizar o desmatamento e no primeiro ano da presidente Dilma nenhum hectare 
de unidade de conservação sequer foi criado. Vejo, então, um paradoxo: enquanto 
aumenta a consciência ambiental das pessoas, notamos um recuo da representação 
política, pautada por grupos – ainda que minoritários – mais conservadores, na 
questão socioambiental. É um fenômeno que acontece no mundo inteiro. Há um lobby 
pesado contra qualquer medida nos Estados Unidos em relação à Convenção do 
Clima. Mas em boa parte da sociedade mundial cresceu a consciência 
socioambiental.
Em São Paulo, as sacolas plásticas descartáveis foram abolidas nos 
supermercados, e criou-se uma polêmica. Como mudar hábitos mais complexos se os 
mais simples ainda são difíceis?
Não são questões lineares. Essa consciência precisa se traduzir em mudança de 
atitude, mas com as pessoas defendendo a natureza no próprio ambiente. É fácil 
para os paulistas defender a Floresta Amazônica, mas eles têm dificuldade em 
diminuir o uso das sacolas plásticas. Contudo, é bom saber que, entre os 
paulistas, há muita gente reduzindo a utilização das sacolas. Assim como na 
Amazônia muita gente está disposta a fazer manejo sustentável, certificar sua 
produção, ter mais respeito com as populações locais. Aos poucos, os bons 
exemplos vão ganhando escala.
A senhora é contra novas hidrelétricas na Amazônia e defende um plebiscito 
para que decidamos pelo uso de energia nuclear. Qual a alternativa viável para 
atender à demanda por energia no Brasil?
Cerca de 45% de nossa matriz energética é limpa. O país tem também todos os 
meios e as condições para implantar uma matriz energética que seja também 
diversificada e segura (o que não é o caso da nuclear). Não sou contra o uso do 
nosso potencial hidrelétrico. Mas a maior parte dele está na Amazônia (cerca de 
63%), e não é possível continuar tratando os problemas socioambientais da região 
como se fossem externalidades. Todos os projetos devem ser viáveis dos pontos de 
vista econômico, social e ambiental. No caso de Belo Monte, não há indício de 
que essa premissa está assegurada; por isso me manifesto contra. Se for viável 
sob essas perspectivas, não vejo por que não fazê-lo. Assim como não vejo por 
que não ter uma atitude mais aberta no processo de planejamento energético. Ele 
deve ser visível, democrático, com a contribuição dos diferentes segmentos da 
sociedade, para que não nos deixe reféns de cada projeto. Não é possível que um 
país com grande capacidade econômica esteja à mercê de um empreendimento desses 
a cada ano, sob pena de apagões. É falta de um planejamento bem feito. Temos 
também potencial imenso para a energia solar, eólica e da biomassa, a ponto de o 
ministro da Agricultura dizer que temos três Belo Monte com o que produzimos de 
bagaço e palha de cana-de-açúcar.
Conservação e desenvolvimento são compatíveis? O conceito de 
sustentabilidade pode ser aplicável em larga escala no Brasil?
Não é questão de compatibilizar, mas de integrar. O panorama é este: há a 
ameaça de inviabilizar a vida no planeta com um aumento de 2 graus na 
temperatura. Hoje se perde mil vezes mais biodiversidade do que 50 anos atrás e 
os territórios desertificados avançam com prejuízos incalculáveis. O grande 
desafio da humanidade é integrar economia e ecologia na mesma equação. E a 
Amazônia é a região do planeta onde o desenvolvimento sustentável pode ser mais 
factível. Temos 82% da floresta preservada, um adensamento de população adequado 
à preservação do bioma e uma quantidade imensa de recursos naturais que nos dá 
potencial não apenas para o seu uso diversificado mas também para uma economia 
diversificada. A Amazônia é o lugar no qual o Brasil pode experimentar a mudança 
de paradigma de desenvolvimento. Não se trata de ser pessimista ou otimista, mas 
persistente. Se o Brasil quer uma economia de baixo carbono, deve insistir nas 
prioridades, nas políticas públicas e nos projetos a serem tocados ao longo de 
décadas. Os países que se desenvolveram na lógica do século 20 não fizeram isso, 
pois mudaram de rota a cada governo.
O texto do Código Florestal, em sua última versão, está bom?
O projeto de lei aprovado no Senado é péssimo. Reduz a proteção, potencializa 
o desmatamento e comete uma injustiça ao perdoar os que desmataram de forma 
ilegal. Precisa ser vetado pela presidente Dilma. Ela assumiu um compromisso de 
campanha de impedir qualquer iniciativa que signifique anistia para desmatadores 
e aumento no desmatamento. Esse projeto parece um ensaio geral para demolir a 
governança ambiental brasileira, estabelecida a duras penas desde que a 
Constituição definiu o meio ambiente como um direito dos brasileiros.
A mulher brasileira está mais ativa na política, nas empresas, na família. 
Qual o papel desempenhado por ela na sociedade atual?
Em um século as mulheres aprenderam a fazer tudo o que os homens fazem, 
depois de milhares de anos consideradas incapazes. Hoje já nem me preocupo tanto 
com o que as mulheres brasileiras são capazes, mas em como fazer para que os 
homens aprendam com elas para que não tenhamos novos desequilíbrios no futuro. 
Por outro lado, nem sempre os avanços legais são reais. Se no passado as 
pioneiras do 8 de Março queriam diminuição na jornada de trabalho e igualdade 
salarial, hoje essa equiparação ainda não aconteceu para grande parte das 
mulheres, que recebem 25% menos nos mesmos cargos ocupados pelos homens. Muitas 
ainda perdem o emprego em função da maternidade. Sem falar da violência contra 
elas. Essa realidade não mudou. O potencial da mulher é tão grande quanto o do 
homem; só nos faltam as mesmas oportunidades. Considerando-se que nós, mulheres, 
representamos mais da metade da população brasileira, seria um desperdício se 
continuássemos sendo tratadas como incapazes. É possível buscar igualdade na 
diferença e dar atenção à contribuição feminina, com sua maneira de ver e sentir 
o mundo.
De onde veio a admiração por Jane Goodall, defensora dos chipanzés na 
Tanzânia?
Quando a conheci, em 2006, nos Estados Unidos, achei-a uma pessoa muito 
interessante. A iniciativa do Instituto Marina Silva foi inspirada nela. Nessa 
época, eu não queria me candidatar na política, mas tinha a intenção de 
continuar minha luta no campo socioambiental. Aí pensei: vou fazer como Jane 
Goodall – que defende os primatas e o desenvolvimento sustentável – e trabalhar 
em uma mudança no modelo de desenvolvimento econômico.
Como pretende promover essa mudança?
Com mobilização e educação para que as atitudes sustentáveis não se 
transformem em um peso na hora de economizar energia, separar o lixo ou decidir 
quem será seu representante na política. A sustentabilidade deve ser entendida 
como um ideal de vida que precisa estar na popa – como um motor a nos 
impulsionar – e não na proa, apenas como uma bandeira para exibir. Não basta 
conhecer o jogo, é preciso saber jogar. Mas entre o conhecimento e o saber há um 
longo caminho. E essa é uma mudança civilizatória, que deve ser de todo mundo ao 
mesmo tempo e agora. Também não é apenas uma questão de se adaptar; acho até que 
em alguns pontos teremos de nos desadaptar. Uma desadaptação criativa, uma 
descontinuidade produtiva. Mesmo que não saibamos ainda como é a mudança que 
desejamos, podemos descontinuar a realidade que não queremos ver 
prosperando.
Sugestão do Coordenador Fabricio Pelizer.
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