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A sustentabilidade é sustentável?

No dia 22/03 fui participar da Semana de Recursos Hídricos na Câmara Municipal de Uberlândia (MG). O intuito era o de intermediar palestras e discussões em torno das questões da água no nosso município e região. O que torna essa passagem inusitada é o fato de que apesar da boa proposta ainda estamos distantes da real necessidade do nosso ambiente.
Discursos e defesa da classe política, empunhando a força da bancada ruralista do município, e com velhos jargões que parecem impregnados no diálogo da massa ambientalista: a sustentabilidade. Os professores que ali estavam, defendendo um Fundo Municipal voltado ao amparo da pesquisa e extensão em escolas públicas de ensino médio e fundamental, foram execrados pela autoridade política do legislativo. Um rechaço à educação e à prática ambiental, à formação de estudantes com capacidade crítica e mais ainda, uma afirmação de que todas as ações até então propostas são fundamentalmente adequadas ao seu tempo. Quem estava lá, sabe disso.
Interessante que não houve qualquer manifestação sobre os crimes ambientais cometidos diariamente pelas agroindústrias da cidade, ora descarregando efluentes e descartando restos de animais, ora liberando gases inóspitos, obrigando algumas comunidades a conviverem diariamente com um mau cheiro horroroso. Sem esquecer os índices de metais pesados encontrados no Rio Uberabinha, tais como  Pb, Cu, Cr e Ni (Rosolen et al., 2009) e moléculas de agrotóxicos como transheptaclor, endossunfan e atrazina (Brites e Rantin, 2004). E por último das ocupações e loteamento irregulares às margens da Usina de Miranda.
Será que a “tal sustentabilidade” não é uma afirmação de poder e restringe-se aos interesses temporais dos grupos locais que se mantém à tanto tempo nos cargos legislativo e executivo do nosso município? Também não apregoado e massificado através dos nossos jargões quando atribuímos às ações meramente políticas e imediatistas a característica sustentável? O que é básico para a constituição social local e legitimamente assegurado para o ser humano deve ser confundido como sustentável, ou o custo e o desgaste contínuo das ações de remediação para que esses processos prevaleçam, na verdade, mascaram e distorcem o que chamamos de sustentável?  
Por falar nisso, talvez não encontremos na esfera dos estudos ambientais, um vocábulo tão bem pronunciado e ao mesmo tempo tão mal explicado quanto a Sustentabilidade. Nos discursos políticos é o apoio e fechamento de uma interlocução que já não tem mais razão de ser, porém insiste em denunciar o que não foi feito. Também é amplamente discutível a noção de indicadores de sustentabilidade, aproximando aquilo que é puramente natural de medidas e avaliações economicistas. Afinal, o indivíduo e o ambiente valem mais que a soma das riquezas coletivas?
Em setembro de 2009, após vários e emblemáticos embates sobre o tema, as recomendações contidas no Report by the Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress (Stiglitz-Sen-Fitoussi, 2009), permitem discernir medidas econômicas, dos parâmetros de qualidade de vida e ainda sustentabilidade. Para o relatório a sustentabilidade exige um pequeno grupo de indicadores físicos e não de malabarismos que artificialmente tentam precificar coisas que não são mercadorias.
Quais indicadores? Em vez de se enfatizar a imprescindível sustentabilidade ambiental do processo que se costuma chamar de desenvolvimento ou de progresso social, passa-se a tratá-la ao lado de várias outras, cuja lista pode ser bem longa, contribuindo para uma séria diluição da ideia original. Um bom exemplo está na abordagem tripartite Unece/OECD/Eurostat (2008). Nela os indicadores são separados em dois exclusivos "domínios": um chamado de "bem-estar de fundo" (foundational well-being) e outro chamado de "bem-estar econômico". E indicadores normalmente considerados ambientais estão distribuídos por esses dois domínios. No primeiro, surgem desvios de temperatura, concentrações de ozônio e particulados, disponibilidade de água, ou fragmentação dos hábitats naturais, junto com indicadores de educação e de expectativa de vida ajustada pela saúde. No segundo, indicadores de recursos energéticos, minerais, madeireiros e marinhos, junto com indicadores de capitais (produzido, humano e natural) e de investimentos externos. Ou seja, o conjunto de indicadores de desenvolvimento sustentável proposto por esse grupo de trabalho consorcia dois grupos: um socioambiental com seis, e outro econômico-ecológico com oito (Veiga, 2009a).
Voltando para a nossa discussão inicial: pense como tudo isso pode ser digerido pela massa política? E mais ainda: são suficientes, adequados e necessários? De um lado a tentativa de se medir o que é feito, de outro, a certeza de se afirmar o que não se quer fazer. O tal paradoxo do debate pode sugerir ao menos uma questão: parece que nos afastamos ainda mais de nossas origens e premissas da existência. Ainda estamos preocupados em assegurar conquistas, construir conceitos e modismos sem fundamento, como se todas as coisas devessem convergir para nós mesmos.
Lembra do nobre político e das intransigências ambientais no nosso município? Sinto-me obrigado a instigá-los quanto à nossa postura resiliente (e isso a natureza o é). Somos contribuidores no debate e na produção científica do que fazemos enquanto sociedade. Politicamente temos a obrigação de agirmos e formamos um grupo crítico diferente do que foi proposto até agora.
Quanto à sustentabilidade por si mesma, esqueça. Para mim não se sustenta. O nosso planeta precisa muito mais de atitudes conscientes do que discursos. Até porque, para os discursos, há muita gente disposta e treinada para isso...  


Fabrício Pelizer Almeida é professor há 6 anos da Universidade de Uberaba e Coordenador do Curso de Engenharia Ambiental. Trabalhou em empresas como SADIA, BUNGE, IFB e Ambiente Consultoria. É Engenheiro Agrônomo com pós-graduação em Gestão Agroindustrial; Matemática e Estatística e mestrado em Agronomia. É Green-Belt Industrial pelo Programa Seis Sigma (INDG).





REFERÊNCIAS
BRITES, Vera Lucia de Campos; RANTIN, Francisco Tadeu. The influence of agricultural and urban contamination on leech infestation of freshwater turtles, Phrynops eoffroanus, taken from two areas of the Uberabinha river. Environmental Monitoring and Assessment, Holanda, v. 96, p. 273-281, 2004.
ROSOLEN, V. et al. Qualidade dos sedimentos no rio Uberabinha (Uberlândia, MG) e implicações ambientais. Revista Brasileira de Geociências, v. 39, n. 1, p. 151-159, 2009.

STIGLITZ-SEN-FITOUSSI. Report by the Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress. Paris: 2009. Disponível em: <http://www.stiglitz-sen-fitoussi.fr>.

UNECE/OECD/EUROSTAT. Report on measuring sustainable development: statistics for sustainable development, commonalities between current practice and theory. Working Paper ECE/CES2008/29, Paris, 2008.

VEIGA, J. E. da. Indicadores socioambientais: evolução e perspectivas. Revista de Economia Política, São Paulo, v.29, n.4 (116), p.421-35, out./dez. 2009ª.

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